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Uso de estatística no esporte

Jordan Aragão Moura – Estatística, UFCG
jordan-aragao@hotmail.com
Programa de Educação Tutorial (PET) – Matemática e Estatística

Nos esportes de alto rendimento cada pequeno detalhe pode ser a diferença entre a vitória e a derrota, nisso a análise de dados surge como um diferencial para equipes e atletas que buscam estar um passo à frente dos adversários. Segundo estudo da PR Newswire a área de sports analytics deve atingir até 2025 um valor de mercado de 4,6 bilhões de dólares.

Existe um famoso ditado que fala: “números não mentem”, e de fato eles podem até não mentir, mas com certeza eles podem enganar, para isso uma análise de dados bem-feita pode dar mais confiabilidade aos números. Um exemplo disso está no basquete, um jogador com uma média alta de rebotes não significa necessariamente que ele seja um bom “reboteiro”, os analistas da equipe podem realizar um estudo sobre a forma como os rebotes ocorrem, seja no grau de contestação ou até se a escalação da equipe influencia num aumento ou diminuição dos números desse atleta. Caso o atleta entre em quadra com uma formação em que seus companheiros de equipe sejam pequenos ou possuam baixo aproveitamento nos arremessos, é natural que o número de rebotes desse jogador seja alto, pois ele terá mais oportunidades de rebote. Sendo assim, nessa situação poderíamos concluir que apesar de ter uma boa média de rebotes, esses números são, na verdade, fruto de situações favoráveis em que o jogador está em quadra, e não necessariamente que ele seja bom no quesito rebotes.

Em esportes individuais como natação e atletismo é bastante comum vermos a parte de analytics sendo usada para avaliar o desempenho do atleta em setores da prova (começo, meio, fim), assim pode-se constatar em qual setor o atleta está mais lento e a partir disso os resultados são usados para que os preparadores físicos possam condicionar o treino a fim de melhorar os resultados nos setores que o atleta está com desempenho abaixo do desejado. Nestes esportes são analisados também o comprimento ou quantidade de braçadas/passadas no decorrer da prova, demonstrando como está o condicionamento do atleta na questão de resistência e explosão. Na figura 2 observamos um exemplo de análise de desempenho no decorrer de uma prova, nela vemos a velocidade de Usain Bolt durante a prova de 100 metros nas olimpíadas de Pequim 2008. Apesar de ter estabelecido um novo recorde olímpico nesta prova, percebemos uma clara desaceleração nos 15 metros finais.

Figura 2 – Velocidade em m/s de Usain Bolt durante prova de 100M nas olimpíadas de Pequim
Fonte: http://www.adriansprints.com/2009/06/usain-bolts-100m-split-times-for969s.html

Em esportes coletivos as oportunidades de trabalhar com dados são ainda maiores, pois além de analisar comportamentos individuais de cada atleta, pode-se estudar grupo de atletas. Algo muito comum nos mais diversos esportes coletivos são atletas que individualmente não performam bem, porém quando estão juntos com outros determinados atletas em campo a performance deles melhora consideravelmente. Utilizando uma análise de desempenho dos atletas em diversas situações da partida o treinador da equipe terá mais embasamento para realizar substituições a fim de otimizar o rendimento dos seus atletas, colocando-os em situações que proporcionem melhor performance e consequentemente aumentem as chances de vitória da equipe.

Uma liga que vem investindo fortemente na questão de dados é a NFL, liga de futebol americano dos EUA. Por ser um esporte com muitas variáveis, pois cada equipe tem mais de 50 jogadores, inúmeras formações de ataque, defesa e special team, diversas combinações possíveis de jogadores em campo, dezenas de jogadas por partida. Com o crescimento da análise de dados no esporte vista nos últimos anos, a NFL talvez seja a liga onde esse crescimento é mais perceptível para o público geral, pois a quantidade de dados sobre a liga é imensurável, tendo espaço para as mais diversas características serem analisadas, tanto de atletas individualmente, quanto por grupo de posição, quanto por equipes.

A NFL inclusive tem um programa chamado Big Data Bowl, onde anualmente estudantes e profissionais recebem um banco de dados da liga com tema especificado e devem fazer análises buscando informações que ajudem as equipes na tomada de decisão durante as partidas, colocando-as em situações que otimize seu desempenho. O Big Data Bowl tem premiação de mais de 70 mil dólares para o vencedor, além disso devido ao grande número de participantes, muitos deles acabam sendo contratados por times da liga para trabalhar no setor de análise de dados. Em 2020 um brasileiro, Caio Brighenti, foi finalista do programa, apesar de não ter vencido, poucos meses após o programa ele foi contratado pelo Detroit Lions para exercer o cargo de analista de dados.

No futebol, uma métrica que vem sendo muito difundida nos últimos meses é o Expected goals (xG), quem acompanha o esporte da bola redonda com certeza já viu aquele gol perdido que na hora pensou “até eu fazia esse daí” ou por outro lado já presenciou aquele chute de fora da área indefensável que deixa os torcedores espantados. Ambas as situações deixam os torcedores com os ânimos exaltados e isso está diretamente relacionado com probabilidade. No caso do gol perdido o torcedor fica frustrado pois a probabilidade de gol era muito alta e o atacante desperdiçou a oportunidade. Já o gol de fora da área causa êxtase pois além do gol (que já seria motivo suficiente para a comemoração) ainda tem o espanto por ser um gol improvável, devido à distância para o gol, a presença de alguns jogadores entre a bola e o goleiro e a dificuldade em acertar o chute. O xG é simplesmente essa probabilidade de gol em cada lance, é uma maneira de colocar em forma estatística as chances de uma jogada resultar em gol, cada jogada de ataque de uma equipe resulta em um valor de xG , ou seja, no caso de uma jogada em que o atacante chuta de dentro da pequena área com apenas o goleiro o separando do gol resultará em um xG alto, por exemplo. O xG é calculado levando em consideração vários fatores, como local em que o chute foi realizado, com qual parte do corpo foi feita a finalização, como ele recebeu a bola (passe ou cruzamento, por exemplo), como estava a marcação no momento da finalização, entre outros. Ao final de uma partida realiza-se a soma dos xG para cada jogada de ataque da equipe e teremos quantos gols era esperado para a equipe no jogo, para efeito de análise digamos que um time termine o jogo com xG de 2,08, isso significa que em tese o time deveria ter feito 2 gols, ou seja, se ao longo da temporada os treinadores perceberem que a equipe está constantemente fazendo menos gols que o esperado, demonstra que os atacantes estão pecando na qualidade das finalizações, pois estão tendo oportunidades de gols, porém não estão resultando de fato em gols. A partir disso o time pode priorizar contratar jogadores de posições especificas, nesse caso ir em busca de atacantes visando atingir a quantidade de gols esperados por partidas. Com essa análise a diretoria faz uma gestão melhor dos recursos, se baseando em dados para contratar jogadores que vão dar mais resultados dentro de campo, sendo mais precisa na busca de atletas que irão de fato aumentar a probabilidade de vitória da equipe.

O atacante Richarlison é um exemplo de jogador que se beneficiou devido ao seu xG. No começo de sua trajetória na Inglaterra em 2018 ele não fez muitos gols, apenas 5 em 32 jogos, porém seu xG era bem maior que apenas 5 gols, indicando um atacante que produzia muitas chances de gols, mas por alguma razão os gols não estavam acontecendo. Porém era evidente que em algum momento os gols começariam a sair, pois ele estava constantemente criando chances de gol. Apesar de não estar em boa fase, ele foi contratado pelo Everton, clube da premier league inglesa, sendo a maior contratação da história do clube, com pouco tempo os gols começaram a acontecer e ele se tornou a estrela que seu xG já indicava que ele seria.

Diversos times e atletas ao redor do mundo estão investindo cada vez mais no setor de analytics, e os resultados já são perceptíveis, basta acompanhar um esporte que vemos decisões que durante anos foram tomadas baseadas em “achismo” ou sem critérios, agora sendo tomadas baseadas em dados estatísticos. Um dos casos mais bem sucedidos do uso de dados no esporte é o Liverpool, clube de futebol inglês. Apesar de estar entre as equipes mais tradicionais e respeitadas do mundo, o Liverpool não tem o poderio financeiro de outros gigantes europeus, inclusive demorando décadas para conquistar a Premier League. Uma solução encontrada para reverter essa desvantagem foi a criação de um departamento de análise de desempenho, liderado por Ian Graham, doutor em física teórica. Com uso dos mais diversos dados para analisar a performance de equipes, treinadores e jogadores ao redor do mundo, o liverpool consegue realizar contratações com melhor custo-benefício que no passado. Graham foi responsável direto pela contratação do técnico Jurgen Klopp, o treinador acabara de ser demitido do Borussia Dortmund, porém Graham visualizou que a proposta tática de Klopp se encaixava com o estilo de jogo que o liverpool pretendia utilizar, isso sem assistir a um único jogo do Dortmund, usando apenas os dados. Nos anos seguintes o liverpool fez discutivelmente as melhores contratações de sua história, entre ele estão Salah, Mané, Keitá, Van Dijk e Firmino. Contratações realizadas por sugestão direta de Graham e sua equipe, muitos jogadores contratados pelo liverpool neste período eram criticados por torcedores e imprensa, porém o departamento de dados da equipe inglesa observou que estatisticamente esses jogadores tinham muita qualidade e que se postos juntos elevariam suas performances. Um exemplo é a contratação do próprio Naby Keitá, ele tinha um alto número de passes errados jogando pelo RB Leipzig, o que indicaria uma deficiência na característica de passe, porém com uma análise mais detalhada percebeu-se que esse alto índice de passes desperdiçados se devia ao fato de que ele fazia passes mais arriscados que outros jogadores da mesma posição, sendo assim, o Liverpool viu valor nele pois mesmo errando muitos passes, quando o passe saia certo muitas vezes resultava em lances de perigo, o que se encaixaria perfeitamente com o estilo de jogo de Salah. O resultado não demorou a aparecer, entre 2018 e 2019 o liverpool conquistou a tão cobiçada Champions League e a Premier League.

Figura 5 – Jurgen Klopp com o troféu da Champions League durante comemoração
Fonte:https://www.si.com/fannation/soccer/futbol/news/liverpool-fc-confirm-plansfor-trophy-parade-after-ucl-final

REFERÊNCIAS

  1. LEITE, Lucas Alvares. ATIVIDADE COMPETITIVA NA NATAÇÃO: Análise dos indicadores técnicos na prova de 100m borboleta. 2007. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em educação física) – Universidade Estadual de Campinas, $[S. l.]$, 2007.
  2. FILUS, Lucas. Expected Goals (xG): o que é e como usá-lo na análise do futebol?. Footure, $[S. l.]$, p. 1-5, 17 ago. 2020. Disponível em: https://footure.com.br/expected-goals-xg-o-que-ee-como-usa-lo-na-analise-do-futebol/. Acesso em: 28 mar. 2023.
  3. MACÁRIO, Victor. Não é só chute e posse de bola: saiba como são as estatísticas avançadas do futebol. Yahoo, $[S. l.]$, p. 1-10, 3 abr. 2022. Disponível em: https://esportes.yahoo.com/noticias/nao-e-so-chute-e-posse-de-bola-saiba-como-sao-asestatisticas-avancadas-do-futebol-084342864.html. Acesso em: 28 mar. 2023.
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