ENTRE NÚMEROS E VIRTUDES: UMA RELAÇÃO DIRETAMENTE PROPORCIONAL
Laryssa Kely Alves Rodrigues – Matemática, UFCG
lkellyalves@hotmail.com
Programa de Educação Tutorial (PET) – Matemática e Estatística
O Homem que Calculava, obra publicada pela primeira vez no ano de 1938, escrito por Malba Tahan (heterônimo de Júlio César De Mello e Souza), relata uma pequena parte da história de Beremiz Samir, nascido na Pérsia, que tornou-se um jovem alegre, comunicativo e prodígio da Matemática, ficando conhecido, posteriormente, como “o homem que calculava”.
Figura 1 – Júlio César de Mello e Souza

O livro, além de oferecer belos problemas matemáticos, também expõe tópicos da história da Matemática e curiosidades sobre os números. Além disso, na maior parte do escrito, nos deparamos com inúmeras referências à cultura árabe, como alegorias, fórmulas religiosas e costumes. Outro fator importante a ser mencionado são os ensinamentos que Beremiz transmite, como caridade, bondade, sabedoria e amor a Deus.
É notório o amor de Beremiz pela Aritmética, Álgebra e Análise. Entretanto, a Geometria é sobressaída em vários momentos, devido as suas múltiplas belezas. “A Geometria existe, como já disse o filósofo, por toda parte. É preciso, porém, olhos para vê-la, inteligência para compreendê-la e alma para admirá-la.” (TAHAN, 2013, p. 55). Dessa forma, ao longo da narrativa, é evidenciada também a importância da Matemática, pois as pessoas sempre questionavam a utilidade dessa ciência.
Seu primeiro trabalho como pastor fez com que ele desenvolvesse a habilidade de contar rebanhos. Sendo assim, sua distração era contar coisas, como pássaros, galhos de árvores, enxames de abelhas, entre outros. Essa aptidão chamou a atenção de um viajante que o convida para Bagdá[1], pois diz que ele terá um futuro promissor devido a seu talento com o cálculo. “E daí em diante, ligados por este encontro casual em meio da estrada agreste, tornamo-nos companheiros e amigos inseparáveis.” (TAHAN, 2013, p. 19).
Durante grande parte da viagem dos novos companheiros, Beremiz apresenta a solução de vários enigmas matemáticos que surgem ao longo do caminho. A primeira aventura do exímio algebrista foi dividir 35 camelos entre três irmãos árabes que brigavam porque não sabiam resolver o seguinte problema:
Somos irmãos — esclareceu o mais velho — e recebemos, como herança, esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte e ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos e a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça parte e a nona parte de 35 também não são exatas? (TAHAN, 2013, p. 21)
O sábio Samir conseguiu resolver de forma a agradar aos três irmãos, e ainda saiu no lucro com um camelo.
Figura 2 – Beremiz e seu companheiro.

Continuando a jornada para Bagdá, os viajantes se deparam com outros problemas, desde questões que tratam da divisão de pães e moedas; de proporção, como o problema do joalheiro versus hospedagem; como dividir 24 vasos por três pessoas, sendo 5 cheios, 8 vazios e 11 meio cheios; qual relação existe entre a idade da noiva de um rapaz e a quantidade de camelos que ele possui, entre outros. Desse modo, em cada situação, o calculista explicava e resolvia de forma clara para a compreensão e satisfação de todos os envolvidos.
Por conseguinte, ao se alojarem em uma hospedaria, o prestigioso Iezid-Abul-Hamid, amigo e confidente do califa[2], procura Beremiz para uma interessante tarefa: ensinar a sua filha Telassim as propriedades dos números e suas múltiplas operações. O pai estava preocupado devido ao fato de que o futuro de sua descendente estava sendo ameaçado e que ela só seria feliz se dominasse a ciência de Al-Kharismi.
A partir disso, o pai da moça relata que buscou inúmeros estudiosos, entretanto, nenhum aceitou, pois havia um pensamento disseminado de que a mulher não conseguia aprender Matemática. Porém, o homem que calculava quebra esse preconceito e ainda cita exemplos de mulheres que se destacaram na Matemática.
Erram duplamente os filósofos quando julgam medir com unidades negativas a capacidade intelectual da mulher. […] Citam os historiadores vários exemplos de mulheres que se notabilizaram por sua cultura matemática. Em Alexandria, por exemplo, viveu Hipátia, que lecionou a ciência do Cálculo a centenas de pessoas, comentou as obras de Diofante, analisou os dificílimos trabalhos de Apolônio e retificou todas as tabelas astronômicas então usadas. (TAHAN, 2013, p. 66).
É fundamental apontar as reflexões do protagonista, que impressiona a todos com suas habilidades e maneiras de despertar o interesse pela Matemática nas pessoas.
Por ter alto valor no desenvolvimento da inteligência e do raciocínio, é a Matemática um dos caminhos mais seguros por onde podemos levar o homem a sentir o poder do pensamento, a mágica do espírito. A Matemática é, enfim, uma das verdades eternas e, como tal, produz a elevação do espírito — a mesma elevação que sentimos ao contemplar os grandes espetáculos da Natureza, através dos quais sentimos a presença de Deus, Eterno e Onipotente! (TAHAN, 2013, p. 110).
Figura 3 – Personagens

Assim, para finalizar, depois de tantos problemas, reflexões, histórias, explicações de conceitos, curiosidades, demonstrações e tantos outros ensinamentos que Beremiz divulga, ao final do livro, ele se depara com um grande desafio: o calculista iria ao palácio do rei para resolver 7 problemas.
E, assim, sete dos mais famosos ulemás[3] do Islã vão propor ao calculista Beremiz questões que se relacionam com a ciência dos números. Se ele souber responder a todas as perguntas, receberá (assim o prometo), recompensa tal que o fará um dos homens mais invejados de Bagdá. (TAHAN, 2013, p. 201).
E, claro, Beremiz consegue acertar todas as respostas, porém, não pede como recompensa riquezas, nem propriedades, mas (ALERTA SPOILER) a mão de Telassim, por quem estava apaixonado, e o sentimento era recíproco.
Torna-se evidente, portanto, que ao longo do livro adquirimos diversos conhecimentos com o sábio Beremiz, que além de nos mostrar a Matemática de forma cativante, nos ensina também algumas virtudes. É primordial ressaltar que, ao longo da história, passamos a compreender a contribuição dos hindus para a Matemática, descobrimos alguns personagens históricos e nos divertirmos com curiosidades e problemas vistos ao longo da narrativa. Dessa forma, para ler o livro, lembre-se sempre de ter um lápis e papel na mão!
REFERÊNCIAS
[1] TAHAN, Malba. O Homem que Calculava. 83º ed. Rio de Janeiro: Record, 2013.
